O Controle Social e a Urgência de sua Reconstrução Autônoma

O Controle Social e a Urgência de sua Reconstrução Autônoma

 

 

Os Conselhos Municipais de Saúde nasceram da força popular que moldou o Sistema Único de Saúde (SUS), concebido sob o princípio da participação e do controle social. Contudo, décadas após sua criação pela Lei nº 8.142/1990, muitos desses espaços de deliberação perderam a essência da autonomia, transformando-se, em boa parte dos municípios, em extensões administrativas das próprias prefeituras. Tal cenário revela não apenas um desrespeito à lei, mas também uma ameaça à democracia sanitária e à transparência na gestão pública.

 

A subordinação dos conselhos à gestão municipal compromete a essência do controle social, cuja função é fiscalizar, deliberar e representar a voz do usuário. Quando secretários municipais ou servidores comissionados assumem a presidência desses colegiados, o que deveria ser uma instância independente de fiscalização torna-se um eco do poder executivo. A incompatibilidade é evidente: quem executa a política de saúde não pode ser o mesmo que fiscaliza sua própria execução. Tal distorção, infelizmente, tornou-se prática comum em cidades grandes e médias, fragilizando a credibilidade do controle social.

 

Mais grave ainda é a falta de estrutura e orçamento próprio. A autonomia financeira é condição indispensável para que o conselho cumpra seu papel. Quando precisa solicitar autorização da secretaria até mesmo para custear visitas técnicas ou realizar capacitações, o órgão perde a liberdade de atuação. A Resolução nº 453/2012 do Conselho Nacional de Saúde tentou corrigir esse problema ao exigir secretaria executiva própria e orçamento específico, mas sua natureza infralegal impede que seja plenamente eficaz. A ausência de uma lei nacional que assegure mandatos independentes e preveja sanções para o descumprimento das regras mantém os conselhos reféns da vontade política dos prefeitos.

 

É urgente repensar o modelo de composição e funcionamento dos Conselhos de Saúde. Assim como ocorre com os conselhos tutelares, os mandatos deveriam ser garantidos por eleição direta e protegidos contra exonerações arbitrárias. Só assim o controle social poderá cumprir sua missão constitucional de representar o interesse coletivo, fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e garantir que o SUS permaneça público, gratuito e universal.

 

Felizmente, há exemplos de resistência e renovação. Em municípios que optaram por uma condução técnica, com representantes dos usuários à frente dos colegiados, o diálogo com o poder público se tornou mais equilibrado e as decisões mais transparentes. O caso de Sinop (MT) demonstra que é possível construir um espaço deliberativo autônomo, que apoia políticas corretas e critica, com base técnica, os equívocos da gestão.

 

A presidência dos Conselhos de Saúde deveria ser exercida exclusivamente por representantes dos usuários, pois são eles que simbolizam a razão de existir do sistema público de saúde. Diferentemente dos gestores e prestadores de serviço, que têm vínculos diretos ou indiretos com o poder público, os representantes dos usuários trazem a perspectiva genuína da população. Essa representatividade é essencial para que o conselho mantenha independência real e para que as decisões sejam tomadas com base no interesse coletivo, e não na conveniência administrativa. A condução pelos usuários assegura que a fiscalização se faça de forma imparcial, honesta e em consonância com os princípios democráticos que sustentam o SUS.

 

Em Sinop (MT), essa autonomia foi reconhecida em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo em 25 de setembro de 2025, que destacou o Conselho Municipal de Saúde como exemplo de independência e boa prática administrativa. Na matéria, o modelo sinopense foi citado entre os poucos no país que efetivamente separam as funções de gestão e fiscalização, permitindo que o colegiado atue de forma técnica e representativa. O texto ressaltou ainda o compromisso de sua presidência em assegurar deliberação autônoma e respeito às decisões do plenário — elementos que tornaram o conselho de Sinop referência nacional.

 

Esse reconhecimento público é resultado de uma gestão participativa, que assegura voz ativa à sociedade civil e fortalece o caráter deliberativo do colegiado. A experiência de Sinop pode e deve servir como modelo para o Brasil, demonstrando que é possível conciliar técnica, ética e transparência na defesa da saúde pública.

 

Como presidente do Conselho Municipal de Saúde de Sinop, vivi de perto os desafios de consolidar essa autonomia. A luta por orçamento próprio, estrutura mínima e respeito às deliberações foi árdua, mas os resultados foram concretos: maior transparência, mais participação social e fortalecimento do vínculo entre o cidadão e o sistema público de saúde. Ser reconhecido nacionalmente pela independência e pela condução técnica do conselho é, para mim, não apenas uma honra, mas uma responsabilidade histórica.

 

Eu, Yury Fabiani Bezerra, acredito que o controle social só cumprirá seu papel quando for tratado com a dignidade institucional que lhe é devida — não como apêndice da gestão, mas como um pilar do Estado democrático. O fortalecimento dos conselhos é o primeiro passo para uma nova cultura administrativa no Brasil: uma cultura que respeite a crítica, valorize a transparência e enxergue na participação popular não um obstáculo, mas a verdadeira essência da boa governança

Artigo Escrito Por Yury Fabiani Bezerra 

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