Artigo: Setembro Amarelo

Artigo: Setembro Amarelo

Reflexão acerca da nossa vida contemporânea.

No filme Percy Jackson e o Ladrão de Raios, há uma cena perturbadoramente bela: o Cassino Lótus. Os visitantes recebem flores que, ao invés de murchar com o tempo, o devoram. Cada pétala é um convite à inconsciência, cada mordida um anestésico contra o relógio. Quem entra, esquece o mundo. Quem desperta, descobre que os dias se foram como ladrões discretos, sem sirenes nem pegadas.

Esse mito antigo — reciclado em Hollywood — é mais contemporâneo do que gostaríamos de admitir. Hoje o cassino não ostenta colunas de mármore nem música hipnótica. É muito mais banal, quase tedioso: chamamos de rotina. Trocamos flores por notificações, banquetes por reuniões intermináveis, e as hipnóticas melodias por listas de tarefas que parecem se multiplicar como coelhos em plena primavera. O resultado, porém, é idêntico: um entorpecimento doce, uma anestesia produtiva. Terminamos o dia com a estranha sensação de que vinte e quatro horas são sempre insuficientes — e, paradoxalmente, sempre desperdiçadas.

Vivemos embriagados, não de magia, mas de pressa. Corremos de tarefa em tarefa como se fôssemos conquistar o Olimpo, mas o que acumulamos, no fim, é apenas exaustão. O mito da escassez de tempo esconde a verdade incômoda: não falta tempo, falta consciência. O dia nos oferece suas vinte e quatro batidas, regulares como um metrônomo. O problema é que raramente estamos presentes para ouvi-las.

E aqui surge a antítese mais desconcertante: despertar não exige heroísmo grandioso, mas um gesto quase ridículo. Parar. Respirar. Decidir. Tirar os olhos da tela, fechar a gaveta das urgências falsas, e reconhecer que cada minuto pode ser colocado em outro lugar — ou desperdiçado para sempre.

Sair do cassino invisível é uma rebeldia silenciosa. Ninguém aplaudirá, nenhum deus nos recompensará com raios ou tronos. Mas talvez seja justamente essa a moral da flor de lótus: não haverá resgate externo. O herói não virá a cavalo. O herói, se surgir, terá de nascer dentro de nós — com um gesto tão simples quanto raro: acordar

 

Escrito por :Pedro Luiz Chorro Miller

 

Lendo esse texto de um amigo, e pensando em reflexões acerca do mês de setembro, percebo que é aqui que a metáfora encontra um sentido ainda mais profundo neste mês de Setembro Amarelo. Assim como no Cassino Lótus, muitas pessoas vivem aprisionadas em dores silenciosas, em sofrimentos que as fazem perder a noção de si mesmas e da vida que pulsa ao redor. O tempo, nesses casos, não apenas escorre: ele pesa.

A prevenção do suicídio nos lembra que despertar nem sempre é simples — mas é possível. Significa reconhecer que não precisamos enfrentar sozinhos o labirinto da mente. Significa buscar apoio, estender a mão, aceitar a mão que se estende. Porque, diferente dos mitos, aqui não precisamos ser heróis solitários: podemos ser heróis uns dos outros.

Mas é preciso lembrar que esse despertar não depende apenas da força individual. A existência de políticas públicas sérias e eficazes é fundamental: programas de saúde mental acessíveis, campanhas permanentes de conscientização, capacitação de profissionais e redes de acolhimento que cheguem a quem mais precisa. Sem esse compromisso coletivo, muitos continuarão presos em seus cassinos invisíveis, sem chance de saída.

Por isso, o Setembro Amarelo não deve ser apenas um convite à reflexão pessoal, mas também um chamado à responsabilidade social e institucional. Prevenir o suicídio é cuidar da vida em todas as suas dimensões: na intimidade das relações humanas e na amplitude das ações do Estado.

Comentado por: Yury Fabiani Bezerra, OAB/MT 31.995-O

 

 

 

 

 

 

 

 

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