Como o Empréstimo Consignado Pode Virar um Vício e Como Sair Dele
O empréstimo consignado parece, à primeira vista, uma boa solução. O dinheiro vem rápido, as parcelas são descontadas direto do salário ou do benefício, e os juros são menores que em outros tipos de crédito. Por isso, muitos aposentados, pensionistas do INSS e servidores públicos acabam recorrendo a ele sempre que falta dinheiro. O problema é quando essa facilidade vira um hábito e, sem perceber, a pessoa entra num ciclo difícil de quebrar.
No começo, o consignado traz um certo alívio. Dá pra pagar contas, comprar algo necessário ou ajudar alguém da família. Mas logo o dinheiro acaba, e parte grande da renda já está comprometida com parcelas. Então surge o desespero e a ideia de fazer outro empréstimo para pagar o anterior. E assim, o que era pra ser uma solução vira um vício: o consignado passa a ser usado como remédio rápido para todos os problemas financeiros, só que ele mesmo se torna a causa principal da dor.
Os sinais desse vício são claros. A pessoa faz vários empréstimos seguidos, não sabe mais quantos contratos tem e acredita que não há outra saída além de pegar mais crédito. Isso mostra que o consignado deixou de ser um recurso e passou a ser uma armadilha.
Mas há saída, e ela começa com três passos simples. Primeiro, reduzir o valor da dívida, buscando revisar juros e eliminar cobranças abusivas. Depois, diminuir o prazo, para se livrar mais rápido das parcelas e pagar menos juros. Por fim, parar de fazer novos consignados, o passo mais desafiador, mas também o mais libertador.
O ciclo é sempre o mesmo: falta dinheiro, faz consignado, vem o alívio, a dívida cresce e a renda diminui. A virada acontece quando a pessoa reconhece o problema, reorganiza as dívidas e interrompe as novas contratações.
Quando o consignado se acumula e compromete quase toda a renda, surge o chamado superendividamento, uma situação em que o aposentado, pensionista ou servidor público não consegue mais pagar o básico, como remédios, alimentação e contas de casa. Essa é uma realidade cada vez mais comum, mas que tem solução. Com informação, planejamento e ajuda jurídica, é possível sair desse ciclo, recuperar o controle financeiro e voltar a viver com tranquilidade.
Escrito pela Dra. Sandra Oliveira
Do ponto de vista jurídico, o ciclo descrito no artigo encontra respaldo direto na Lei do Superendividamento (Lei 14.181/2021), que reforça o dever das instituições financeiras de avaliar a real capacidade de pagamento do consumidor antes de liberar crédito. Quando bancos e financeiras oferecem consignados sucessivos, especialmente a aposentados e servidores já com renda comprometida, há indícios de concessão irresponsável de crédito, prática considerada abusiva pelo Código de Defesa do Consumidor. Essa falta de cautela contribui para o desequilíbrio financeiro do consumidor, que passa a recorrer ao empréstimo não por escolha, mas por necessidade compulsória, exatamente como descrito no ciclo de “alívio e recaída”.
Além disso, a situação narrada no artigo se enquadra no conceito jurídico de superendividamento, caracterizado quando a pessoa não consegue mais pagar despesas básicas — alimentação, remédios e moradia — porque sua renda está tomada por parcelas de empréstimos. O STJ tem reiterado que o crédito consignado, apesar de ter juros menores, não pode inviabilizar o mínimo existencial do consumidor, sob pena de violar o princípio da dignidade humana. A revisão desses contratos, mencionada no artigo, tem fundamento no CDC, que autoriza a redução de juros abusivos, a eliminação de cobranças indevidas e até a descaracterização da mora quando há cláusulas ilegais ou desequilíbrio contratual.
Por fim, a saída sugerida no texto — reorganizar a dívida, ajustar prazos e interromper novas contratações — coincide com as soluções previstas juridicamente para romper o ciclo do superendividamento. Hoje, a lei permite que o consumidor proponha um plano judicial de repactuação, onde todos os contratos são revisados de forma global, garantindo que o indivíduo volte a ter controle sobre a própria renda. Somado a isso, a interrupção de novos consignados pode ser determinada judicialmente para evitar a continuidade do problema. Assim, o artigo não apenas descreve uma realidade social crescente, mas também dialoga com o arcabouço legal que protege o consumidor e oferece caminhos concretos para recuperar sua estabilidade financeira.
Comentado por Yury Fabiani Bezerra.


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