Judiciário alerta sobre políticas públicas e preparação das cidades para população idosa em evento

Cidades mal planejadas, falta de acessibilidade, desigualdade social e preconceitos são alguns dos obstáculos enfrentados pelos idosos no Brasil — população que chegará a 30% dos brasileiros em 2050. Na busca por soluções para esses problemas, o Poder Judiciário de Mato Grosso (PJMT) promoveu, nesta quinta-feira (12 de junho), a palestra “O Século do Envelhecimento: qual a sociedade que queremos construir”, no Auditório da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), parceira da ação.

O alerta para a urgência de criar políticas públicas que promovam um “envelhecimento ativo” no país foi feito pelo gerontólogo Alexandre Kalache, que contribuiu para a criação do conceito junto à Organização Mundial da Saúde (OMS). Como autoridade no tema, Kalache explica que, para um envelhecimento ativo, é necessário que as cidades sejam estruturadas para favorecer a autonomia, a participação ativa na sociedade, o acesso à saúde, a segurança efetiva e o aprendizado contínuo.

“A cidade precisa ser construída para ser amiga da pessoa idosa. E, se for boa para os idosos, será boa para todos. Se o idoso consegue entrar e sair dos lugares com autonomia e se sente seguro, qualquer pessoa também conseguirá”, afirmou o gerontólogo.

O juiz auxiliar da Presidência, Agamenon de Alcântara Moreno Junior, representou o presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador José Zuquim Nogueira. O magistrado ressaltou o papel do Judiciário na promoção de ações voltadas à população idosa.

“Eventos como este, com palestrantes de reconhecimento internacional e com a coragem de fazer perguntas essenciais, como ‘Que sociedade queremos construir?’, são fundamentais. E a resposta que devemos buscar é clara: queremos uma sociedade da inclusão, e não da exclusão. É necessária a construção de políticas públicas que envolvam todos os setores, com união e solidariedade. Este seminário é uma oportunidade ímpar para aprofundar o debate e avançar na construção de uma sociedade verdadeiramente para todas as idades”, pontuou Agamenon Moreno.

Provocador do debate, o presidente da Comissão Estadual de Atenção à Pessoa Idosa da RENADI (Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa), desembargador Orlando de Almeida Perri, chamou a atenção dos gestores municipais para a construção de soluções estruturantes.

“O grande problema da nossa sociedade hoje é o despertar da consciência para a importância de políticas públicas voltadas à população idosa. Veja, por exemplo, a situação no estado de Mato Grosso. Já temos uma população idosa expressiva, mas não temos abrigos suficientes nem para atender ao mínimo dessas pessoas. Em Cuiabá, a maior cidade do estado, não existe sequer um abrigo público, um asilo municipal. Isso mostra o quanto estamos atrasados”, alertou o magistrado.

Invisibilidade 

A invisibilidade das questões relacionadas ao idadismo supera outras temáticas de relevância social.

“Costumo dizer que temos um olhar atento para as mulheres, para as crianças e adolescentes, para os povos indígenas. Mas ainda não reconhecemos que há um problema sério relacionado à nossa população idosa. É um problema invisível, que não tem sido objeto de atenção efetiva por parte dos nossos gestores, administradores e governantes”, reforçou o magistrado.

Conforme Kalache, o preconceito de idade ocorre em quatro níveis: ideológico, quando se acredita que se vale mais que o outro; institucional, quando a pessoa idosa não é contratada nem promovida; interpessoal, quando não se dá ouvidos; e internalizado, quando a própria pessoa acredita que não merece mais espaço.

“Você acredita que não merece ser promovido, que não merece ser cuidado, que não merece viver dignamente. E a obrigação de combater esse preconceito é dos mais jovens — são eles que vão envelhecer”, resumiu.

A população com mais de 60 anos no Brasil começará a crescer de forma acelerada a partir de 2030. A rapidez desse envelhecimento irá superar a de países ricos, como a França.

“A França levou 145 anos para dobrar sua população idosa de 10% para 20%. O Brasil fará isso em apenas 19 anos, entre 2011 e 2030. Em 2050, um terço da população brasileira terá mais de 60 anos. Isso não é um futuro distante e abstrato. Se você tem 35 anos hoje, você será esse idoso de 2050”, alertou o gerontólogo.

Envelhecer no Brasil

Durante a apresentação, Kalache também criticou termos como “melhor idade”. A expressão nem sempre reflete a realidade da maioria da população brasileira, pois, para muitos, envelhecer significa enfrentar pobreza, doenças, dependência e moradia precária.

“É preciso tomar cuidado para não esconder o sol com a peneira. A qualidade de vida da maioria dos brasileiros que envelhecem é baixa. Chegamos aos 60, 70, 80 anos com muitos desafios”, reforçou.

Para o especialista, na construção de uma sociedade igualitária, devem ser ouvidos aqueles que a vivenciam.

“Apesar das dificuldades, acumulamos experiências ao longo da vida. Independentemente da escolaridade, somos experientes. E essas experiências precisam ser ouvidas, precisam encontrar espaço nas trocas entre gerações. O tempo está passando. É preciso se preparar desde já para envelhecer com qualidade. E eu sempre repito um mantra que quero que vocês guardem: ‘Comece a se preparar já. E quanto mais cedo, melhor’”, finalizou Kalache.

Despertar das cidades

A palestra “O Século do Envelhecimento: qual a sociedade que queremos construir”, com Alexandre Kalache, foi promovida pelo Judiciário de Mato Grosso, por meio da Comissão Estadual de Atenção à Pessoa Idosa da RENADI e em parceria com a a Escola dos Servidores do Judiciário e AMM. O presidente da Associação, Leonardo Bertolin, destacou o protagonismo do Judiciário na promoção de debates e na criação de políticas públicas para pessoas idosas.

“O desembargador Orlando Perri tem sido um verdadeiro protagonista na defesa dos direitos da pessoa idosa. O trabalho que ele desenvolve, especialmente na criação das ILPIs [Instituições de Longa Permanência para Idosos], é brilhante.”

O presidente da AMM também chamou a atenção para a necessidade de uma construção conjunta de soluções.

“Este seminário veio para chamar atenção para um tema urgente: o envelhecimento acelerado da população brasileira. E Mato Grosso não é exceção. Estamos falando de uma política pública complexa, que exige mudança cultural. É preciso entender que o idoso deve ser prioridade na cidade. Muitas vezes, os gestores municipais sequer têm condições financeiras de oferecer um abrigo decente para acolher idosos em situação de vulnerabilidade ou abandono. Precisamos ecoar essa discussão pelos municípios, trabalhar com os núcleos de assistência social, com as primeiras-damas, com as comarcas do Poder Judiciário”, alertou Bertolin.

Após acompanhar o evento, o desembargador aposentado Paulo da Cunha reforçou o alerta feito pelo gerontólogo Alexandre Kalache.

“O que vimos aqui foi um alerta. Ele nos mostrou que, em muitos aspectos, já estamos atrasados na preparação das nossas cidades e políticas públicas para atender a essa nova realidade demográfica. Mas também nos trouxe uma mensagem de esperança: nunca é tarde para começar. A palestra foi um grande estímulo para podermos dar continuidade a esse trabalho. Precisamos agir agora, com consciência e compromisso, para garantir dignidade e inclusão à população idosa que está crescendo rapidamente”, concluiu o magistrado.

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