Papel das mulheres no tráfico é tema de aula da juíza Edna Coutinho na Esmagis-MT

Papel das mulheres no tráfico é tema de aula da juíza Edna Coutinho na Esmagis-MT

Nesta segunda-feira (9 de junho), a Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT) promoveu a aula “O papel das mulheres no tráfico de drogas”, como parte do curso “Lei de Drogas – Aspectos Jurídicos, Político-Criminal e Prático”. A formação, que se estende até 21 de julho e é voltada exclusivamente para desembargadores(as), juízes(as) e assessores(as) de magistrados(as), teve como destaque a participação da juíza Edna Ederli Coutinho.

O objetivo do curso, iniciado em 5 de maio, é proporcionar uma visão aprofundada e multidisciplinar da Lei Federal nº 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad) e que define crimes relacionados a entorpecentes.

Na atividade pedagógica ofertada presencialmente e on-line, a juíza Edna Coutinho destacou que mais de 50% das mulheres que estão presas atualmente são por crimes relacionados ao tráfico e conexos a ele. Ela salientou que a questão é complexa e não pode envolver generalizações. “Temos que analisar outros aspectos: sociais, econômicos, de vulnerabilidades. São vários papéis que essas mulheres exercem, alguns por vontade própria, alguns em razão das vulnerabilidades.”

Segundo explicou a magistrada, o Sistema Nacional de Informações Penais (Sisdepen) apresenta as estatísticas sobre o sistema prisional e demonstra que, segundo dados de dezembro de 2024, são cerca de 29 mil mulheres presas no país, dessas, 825 em Mato Grosso. Apesar de o número ser expressivamente menor do que o dos homens presos, o que chama a atenção é o crescimento exponencial, ao longo dos últimos anos, do número de mulheres que cometem crimes no Brasil, muito acima da média de crescimento do público masculino.

Edna Coutinho ressaltou que as prisões não foram construídas para abrigar mulheres e, nesse sentido, a vivência no cárcere se torna mais pesada para elas do que para eles. “A prisão para mulher é sim uma especificidade diferente em razão das próprias particularidades das mulheres”, observou.

Segundo a juíza, o fenômeno do envolvimento feminino no tráfico de drogas no Brasil constitui uma realidade complexa que transcende as fronteiras do crime organizado, estendendo-se pelos domínios sociais, econômicos e culturais. “A motivação dessas mulheres não se restringe a um único fator, mas a um intrincado entrelaçamento de circunstâncias sociais, econômicas e culturais. Assim, mais do que um olhar sobre as estatísticas, torna-se imperativo uma incursão profunda nos fatores sociais que precipitam as mulheres a ingressarem no universo do tráfico de drogas.”

Segundo ela, muitas mulheres encontram no tráfico uma alternativa econômica em meio às condições socioeconômicas precárias. “O tráfico de drogas é significativamente lucrativo em comparação com outras remunerações oferecidas por ocupações lícitas, especialmente para pessoas de baixa escolaridade. Além disso, proporciona à mulher a oportunidade de trabalhar em casa, uma opção viável para conciliar com a criação dos filhos”, assinalou.

Edna também disse que está acontecendo um processo de naturalização da traficância ilícita de drogas para aqueles que convivem na mesma vizinhança, mesma comunidade, ou que têm familiares que vivem dessa prática como forma de sustento. “O tráfico é percebido como uma prática rotineira dissociada do estigma criminal que a envolve. Além disso, redes sociais e comunitárias, compartilhando valores relacionados ao tráfico, contribuem para a normalização da participação feminina. Hoje é dado um valor nas redes sociais ao tráfico que nunca esperávamos que fosse acontecer.”

A palestrante também destacou que as pressões do ambiente familiar e de vulnerabilidade desempenham um papel crucial nas escolhas da mulher, normalizando a participação no tráfico desde cedo quando há membros envolvidos nesta prática ilícita, assumindo, às vezes, até a forma de uma “empresa familiar” convencional que envolve os membros da família na geração de renda. “Em alguns casos, as mulheres podem ser influenciadas por um senso distorcido de lealdade familiar, participando do tráfico para proteger e apoiar membros da família.”

Outro ponto abordado foi a questão de violência de gênero e da vulnerabilidade da mulher que pode estar presente neste contexto familiar. Por exemplo, a ameaça e a coação por parte de familiares e companheiros podem ser fatores determinantes para a inserção da mulher no comércio ilegal de drogas, moldando suas escolhas, muito provavelmente, em razão do medo das consequências para ela e suas famílias.

O trabalho das ‘mulas’ também foi abordado. Segundo Edna Coutinho, trata-se de uma das funções mais baixas na hierarquia do tráfico e que coloca as mulheres em um local muito suscetível ao aprisionamento, porque não há como fugir do flagrante. Além dos riscos à própria saúde, também existe o fato de que muitas mulheres são condenadas com altas penas por exercerem a atividade de transporte através do próprio corpo. “Os valores pagos por essa atividade são irrisórios e não há nenhuma proteção para quem a exerça, o que não aconteceria com funções mais importantes, o que demonstra a descartabilidade dessas mulheres para toda essa estrutura.”

Na aula, a magistrada falou sobre diversos outros temas, como a participação de mulheres no tráfico, muitas vezes influenciada pelos relacionamentos amorosos com parceiros que estão envolvidos no tráfico, assim como abordou as chamadas “Regras de Bangkok”, que se referem às Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Prisioneiras e Medidas Não-Prisionais para Mulheres Infratoras.

Edna destacou ainda a participação das mulheres no tráfico por escolha pessoal. “Não podemos reduzir a participação feminina a uma visão sempre de submissão ou cooptação. Algumas mulheres enxergam nesse caminho uma fonte de poder e respeito, e buscam reconhecimento e status social exercendo a traficância como motivador para suas escolhas”, assinalou. “O tráfico pode proporcionar uma sensação de poder e autonomia para algumas, embora essa aparente emancipação muitas vezes esteja ligada a uma realidade complexa de exploração e violência.”

Ao final da aula, o coordenador do curso, desembargador Marcos Machado, enalteceu a experiência e a dedicação da juíza Edna. “Temos alguns valores e você está entre essas mulheres que se destacam! Gostei muito de você trazer a realidade, a sua experiência. É muito importante trazer à baila a realidade, para mostrar o que está acontecendo nas ruas, assim como o trabalho espetacular desenvolvido pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), visando dar o mínimo de tratamento humanitário às mulheres”, asseverou o magistrado.

A próxima aula, no dia 16 de junho, será ministrada pelo desembargador Hélio Nishiyama, com o tema ‘Espelhamento do WhatsApp como meio válido de obtenção de prova no processo penal’.

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